A conversa é mole, mas o papo é firme.

quinta-feira, fevereiro 25, 2010

Que palpite infeliz

Esta semana, esteve aqui em Ribeirão Mallu Magalhães. Estava promovendo seu cd e fez um pocket na FNAC. Por compromissos outros, não pude ir, embora gostaria de lá estar por algumas razões.
No jornal A CIDADE, um dia antes saiu uma entrevista com ela, da qual reproduzo um trecho do final:

A CIDADE: Você se imagina fazendo outra coisa que não música? Já quis seguir outra profissão?

MALLU: Sim, penso muito nisso. A situação da música está muito pessimista. O mercado esquisito, a cultura desvalorizada, o povo desigual (o que piora tudo e todos os setores sociais), a falta de remuneração para músicos e compositores e assim por diante. Tenho medo e insegurança.

A CIDADE: Pensa em fazer faculdade para seguir uma outra carreira?

MALLU: Sim, de Moda ou Artes Plásticas.

Fiquei abismado, pois se uma das poucas expressões que atualmente vende discos e esta nas paradas diz isso, que exemplo é esse para quem pensa em começar ou mesmo continuar na música?
Entregamos os pontos ou lutamos para combater?
Como disse, gostaria de ter ido até ela conversar sobre isso, e também vê-la, já que seu trabalho é interessante, mas não deu.

Como estou na profissão por 44 anos, a afirmação da Mallu me levou a refletir sobre a problemática musical.
Quando se fala em música, todo mundo pensa logo nos grandes astros, ou de até alguns mais ou menos, mas os conhecidos acabam sendo uma mínima porcentagem dos milhões de músicos que existem, que não gravam, não tem trabalho próprio, mas que vivem da arte musical.

São estes que levam a música ao vivo a qualquer canto, sustentando o trabalho de compositores ao fazerem cover de todas as maneiras, e sempre sendo explorados ao máximo.

Tempos atrás, pela folia das altas verbas, os músicos do vamos chamar baixo clero, se ferraram muito porque foram proibidos shows em campanhas políticas. Em parte uma decisão acertada, pois pagava-se fortunas para que um grande astro se apresentasse em comícios, e querendo ou não, seus fãs viam isso como um apoio. Mas também acabou com a respirada que os milhões de músicos davam de quatro em quatro anos, quando das campanhas municipais. Em cada cidade, do país inteiro, vários candidatos. Durante um mês ao final da campanha, todos tocavam praticamente todos os dias.

Em nada isso era comparado com uma estrêla se apresentando e emprestando seu nome, pois a música era para animar o povo em meio a ladainha dos candidatos, e isto não influenciava voto de ninguém, e os cachês sempre foram uma pequena fração do de um astro qualquer.
Um tal Frank Aguiar , músico, foi eleito deputado prometendo reverter esta situação, e hoje é vice-prefeito acho que de Santo André, e além de atualmente não relar a mão em um instrumento, esqueceu da promessa que o elegeu.
O dinheiro que sustentava famílias agora fica em meias e cuecas. Dizem até que estão mudando o tamanho das cédulas para acomodar melhor.

A solução seria extremamente simples: coloca-se um teto máximo de cachê, digamos $30.000,00 e pronto. Nenhum astro conhecido sai de casa por isso, e na verdade o baixo clero vai por 4 ou 5 mil e esta feliz e contente.

Outra fonte de renda garantida, era o carnaval, onde todo e qualquer canto fazia seus bailes e pagava-se muito bem. Em todas as cidades, em todos os clubes, tinha festa e todo mundo estava empregado.
Daí, veio o carnaval da Bahia. Trio elétrico, festa na rua, milhares de pessoas e a maioria sem pagar pela música, só dando lucro para a AMBEV e donos dos poucos trios-elétricos, e a febre da imitação, abençoada pelos meios de comunicação fez com que a moda virasse carnaval nas ruas de todo país.

A situação atual, é que só prefeituras podem arcar com uma festa de rua e se uma cidade faz um carnaval de rua muito bom, toda a região vai para lá, e assim várias cidades ficam sem carnaval. Acabaram-se os clubes, e o mercado para o baixo clero, morreu.

Fico olhando tanta gente com seus fones de ouvido nas ruas, trilhas de filmes, de comerciais, rádios, baixação de música extratosférica, o que comprova a força e a presença da música na vida de todos. Como pode uma força destas passar perrengues? Quem vive sem música?
Se a coleta de lixo para, caos...médico, transportes, aeroportos...todos param e conseguem ao menos uma melhoria...a música, tadinha, vai cumprindo seu papel de gata borralheira...

Nos tempos em que a indústria era forte e os nomes eram muitos e mais fortes ainda, ao invés de lutar pela classe como um todo, os que quiseram reivindicar foi pelos direitos autorais e lógicamente não conseguiram quase nada porque eram uma pequena fatia do universo musical. Se tivessem ungido uma união da classe, conseguiram isso e muito mais.

Lembro que uma greve de roteiristas parou com a indústria do cinema e tv dos esteites, há pouco tempo.

Nada contra DJs, mas deveria haver legislação para que a música ao vivo não saísse tão prejudicada pela diferença de custos.

No facebook, um post de Beto Lee, que perguntava como estara a música daqui 10 anos gerou trocentos comentários. Todo mundo aperreado, mas usando as algemas que deveriam estar nos políticos ou sex shops.

Depois de ter ficado chateado com a declaração inicial da Mallu, devo dar o braço a torcer, e talvez tenha que reconsiderar...será que não é ela, na sabedoria de seus 17 anos, quem esta com a razão?


3 comentários:

Norma Lima disse...

Em termos de Brasil, no dia em que a educação for prioritária, os ouvidos e corações se tornarão inteligentes e sensíveis para a ARTE.
Há uma política para tratá-la como uma mercadoria qualquer, esquecendo que, para apreciá-la, há de se ter além de $$$$$, principalmente uma percepção de que o capitalismo, nas lutas que impõe à nossa sobrevivência do dia a dia (que traz a disputa e a concorrência) está cada vez mais tornando os seres humanos menos humanos.
Assim, a natureza está fodida, a arte também, a ética, etc., tudo em função do vil metal.
A questão, em termos mundiais, é complexa, mas em se falando do Patropi, escolas e pessoas felizes nelas seria um bom começo...

ferpaschmidt disse...

Aqui no Japãozim a coisa é um pouco diferente. Não só músicos mas artistas e esportistas em geral, incluindo vários medalhistas olímpicos, exercem outra atividade profissional. Toco com um pianista há sete anos e foi difícil o cabra entender o porquê do cachet. Ele sempre perguntava se não me bastava ter platéia pra nos assistir. esquisito, né?

Puta abraço e muita saudade

Moni disse...

Hey Dom Bartsch!
Não tenho apropriação para este debate, por isso vou falar enquanto
consumidora: conheço muitos artistas novos através do que eles disponibilizam no myspace; baixo pouquíssima coisa da internet e geralmente são trabalhos não disponíveis no mercado; compro tudo o que me interessa (é pouca coisa).
Em PoA tem uma banda chamada Trem 27, tocam bluegrass nas ruas e vendem seus próprios cd's; o cachê é depositado no chapéu. Uma delícia ouvir música de qualidade na praça, na parada do ônibus, na rua, na chuva, na fazenda...
Tem um outro músico que trabalha nas ruas da cidade com aquele repertório básico dos 60' e 70'; este veio de Canguçu e sobrevive na capital com estas apresentações diárias aqui, ali e em qualquer lugar.
Torço e contribuo para que o movimento cresça.
Sexta e sábado tem Culto!
Beijo