A conversa é mole, mas o papo é firme.

domingo, novembro 19, 2006

O filho do filho das sobras de RLML

Nossa. Acabei de chegar da estrada e a Robertinha já tinha postado este pedaço do Altas, onde mme. Zizá rouba a cena total.Todo mundo já deve ter assistido, mas vai mais um pouquinho de diversão. Espero que meu vídeo tenha gravado o resto. Acho que durante o domingão Robertinha coloca o resto e depois a gente rouba.





Um dos últimos dos enjeitados. A coisa está vindo para Sampa.
Logo mais tem os quase Mutantes em gotas no Famplástico. Oremos.


MONTECCHIOS E CAPULETOS



A princípio foi meio escondido, mas logo toda a cidade já sabia do namoro de Charlie e Chezinha e não foi difícil ver que só os dois ficaram felizes com a união.
A única semelhança entre os Jones e os Padulas era que ambas as famílias tinham nove filhos, ou seja, maior área de atrito. Os Jones homens eram dentistas, maçons e moravam nas cidades próximas a Rio Claro, como Americana, Piracicaba, e as mulheres se casaram e tocavam suas fazendas. Os italianos eram todos alfaiates e com o dinheiro da Alfaiataria Padula montaram os dois cinemas da cidade, o Excelsior e o Tabajara.
E foi aí que comecei a nascer. Diva, ao saber do novo romance, entrou em desespero que logo encontrou eco no também desespero de Claudionor e os dois anteciparam em muito uma canção dos anos 70 que dizia "se você não pode estar com quem ama, ame quem está com você". Preciso parar de citar letras de músicas. Já disse que é medíocre.
Era mais um namoro na cidade, embora sem qualquer repercussão, mas que daria muito pano, se soubessem da verdade que uniu aqueles dois. O tempo inteiro o assunto deles era Charlie & Cheza, para o bem e para o mal.
Ulisses, cavalheiro, retirou o time de campo e se afundou na politicagem e Dalva sentindo a possibilidade de ficar com o lugar de Verônica na procissão, abdicou de Charlie.
Para pavor geral, em um ano C&C estavam casados e mais duros que nunca. Os italianos não deram um centavo e os americanos não tinham o que dar, mas Charlie tinha sua estrela.
Naqueles tempos o único trabalho que havia para deficientes era vender bilhetes da Loteria Federal. Gilmar, tetraplégico, nem por isso perdia o bom humor e ficava na praça em sua cadeira chamando os eventuais fregueses tirando uma nos passantes "olha a vaca, olha o elefante" e outros animais muito parecidos com quem passava indiferente por ele. Quem sabia do humor do Gil ficava se torcendo de rir.
Claudionor estava sentado num banco da praça e Gil se aproximou: "Clauzinho, leva o veado que hoje ele tá pulando do meu bolso. Já caiu no chão umas dez vezes. O veado tá querendo dar". O pretendente eterno de Chezinha riu da piada e até enfiou a mão no bolso, porém falou: "Gil, você tá inventando essa história só pra pegar meu dinheiro. Semana passada deu veado, não vai repetir. Deixa para outra hora". Gil ainda insistiu, mas viu que não ia dar em nada.
Charlie estava chegando para pegar Chezinha que fazia, para seu descontentamento, uma novena. Ele não se conformava com as catolicices da amada, mas há de haver sacrifício. Gil foi para o lado dele: "Arquiteto dos meus dentes, leve esse veado que não dá sossego ao seu aleijado predileto. Sei que você não abre a mão nem para cumprimentar, mas hoje pode ser seu dia."
Jones já ia dizendo não, mas uma sombra passou por sua mente. Tinha sonhado que Ulisses estava beijando Chezinha, embora ela não quisesse, e sentiu alí um sinal. "Gil me dá uma fração desse veado, que ele passou por mim hoje".
"Que que é isso doutor. O senhor vai morrer de raiva. Compre inteiro. Pode até me pagar depois. Não pego para mim por princípios. Tenho palpites para os outros e não para mim senão eu não seria aleijado".
Pensou um pouco e disse "Gil, inteiro é muito pra mim. Deixa eu pegar a Chezinha que já decido". Foi até a porta da igreja, deu uma espiada e viu o padre que ele achava totalmente efeminado embora Chezinha insistisse que ele era apenas educado. Armou o tabuleiro mental, fez algumas jogadas, deu meia volta e falou: "Gil, hoje é o dia em que dois raios estão caindo no mesmo lugar. Muito veado na minha área. Me dá o bilhete".
Claudionor, que ainda estava sentado no banco, viu toda a cena e ali ficou para admirar a bela Cheza esvoaçando mais bela que a natureza. Diva chegava para encontrá-lo e ficou embevecida com a razão de seu amor não correspondido, que jamais lhe tocara um dedo a não ser nos tratamentos dentários, o suficiente para que ela transportasse seu tato para o corpo inteiro.
"O urubu comprou um bilhete de loteria para a pombinha", grunhiu Claudionor. "Seu idiota. Você quer dizer que o garanhão comprou um bilhete para aquela vaca", rugia Diva. E assim a nave ia.
No sábado de manhã Charlie atendia a população carente e era quando ganhava os ovos, galinhas e verduras para a feira da semana. O consultório não era muito longe da modesta casa pouquíssimo mobiliada que dividia com Chezinha. Ela já sabia que naquele dia ele chegava bem tarde para o almoço. Mas começou a demorar demais. Resolveu ir atrás. Será que alguma daquelas invejosas tinha conseguido alguma coisa com seu marido? Não, ele não faria isso.
Encontrou-o num buteco sentado com Gil e visivelmente alterado, no sentido alcoólico. Chezinha gelou, pois não esperava que o marido fosse fazer dessas coisas tão cedo no casamento. Os olhos marejaram. Ele a viu, levantou apressado e foi para junto dela, sem abraçá-la, que ele não era muito afeito a essas coisas. Ela tentou afastá-lo com as mãos, mas não conseguiu. Gil dava altas gargalhadas.
"Querida, vamos para São Paulo". Ele estava mesmo bêbado. De onde havia tirado aquela idéia? E Gil gritava: "Chezinha, o veado deu pra ele!!!" Era o que faltava. Tinha dado veado na cabeça.

Ninguém jamais ficou sabendo quanto era o total de dinheiro ganho, nem Chezinha, mas foi o suficiente para montar um consultório com um amigo no centro de São Paulo, na rua Xavier de Toledo perto do Mappin, e arrumar um casarão bonito na Vila Mariana, na rua Joaquim Távora 670.
O principal era terem se livrado de americanos e italianos que não engoliam aquela mistura de maneira alguma. As vibrações eram negativas de ambas as partes.
Para os lados de Rio Claro meu destino ia se delineando mais e mais. A única maneira de Diva e Claudionor saírem de lá e irem para próximo de suas obsessões, era casar. E isto foi feito. Sexo, só no desespero. E foram para a mesma Vila Mariana, mesma rua, quarteirões diferentes.
Mamãe vivia em cartomantes, vendo cartas e tudo que pudesse lhe dar alguma pista para seu futuro para com vocês sabem quem. Assim que chegou a São Paulo teve contato com um jogo que a viciou para sempre e confesso que até a mim. O Tabuleiro Ouija.
É uma tábua com todas as letras do alfabeto, números de 0 a 9, e as palavras sim, não, talvez, nunca e adeus. Um pequeno triângulo pontiagudo de madeira é segurado por quem quer fazer perguntas para as almas do além. Na verdade, em falta disso, pode ser qualquer objeto leve. O triângulo aponta para as letras, para responder às perguntas. Quando as respostas podem ser respondidas de maneira simples, vai para as palavras. Quando mais complexas, vai de letra em letra e forma a resposta.
Muitos dizem que a pessoa empurra inconscientemente o triângulo para que seja dada a resposta que ela quer, mas pelo que vi é um pouco mais que isso. Depende, sim, do tipo de entidade que guia a mão de quem pergunta.
O que amarrou mamãe, foi sua primeira pergunta: "Devo continuar atrás de Charlie?". Quando ela me contou, anos depois, disse que seu braço quase foi arrancado pela velocidade que foi para o sim. Assustada e feliz, ela decretou que ficaria na cola dos Jones a qualquer preço. E acabou sobrando para mim, vocês verão.

A primeira a dar seqüência à dinastia Jones/Padula, foi Mary. O parto foi no Hospital Samaritano feito pelo próprio Charlie, que era cirurgião dentista de lá e por mais um primo médico chamado Horácio, bem doidão. Será que os dois malucos já desequilibravam as crianças no ninho? Os dois eram companheiros de aventuras das mais estranhas, principalmente pescarias, das quais voltavam com os olhos esbugalhados contando coisas além da imaginação e sem nenhum peixinho.
Mary deu um grande susto em todos, pois nasceu miudinha e com problemas cardíacos, duas características que a acompanharam para sempre. Mas nada que impedisse os dois parteiros de comemorarem com profundas libações alcoólicas. Também porque Mary era muito parecida com o pai, cabelos loiros e crespos e olhos verdes. Mignonzinha.
Mamãe Diva, ao saber da gravidez de Chezinha, pôs Claudionor para trabalhar na construção de uma herdeira. Mas algo estava errado entre eles. Tabelinhas, períodos férteis, corridas até o escritório para uma rapidinha no banheiro, na temperatura ideal, e nada.
Charlie não tinha lá muita pressa e cinco anos depois apareceu Virgínia, trazida ao mundo pelos mesmos rituais da dupla dinâmica de primos e no mesmo Hospital, seguida da mesma festa. Vivi tinha cabelos negros e lisos e olhos azul-piscina. A coisa mais linda.
Quando acontecia isso, mamãe exauria Claudionor, mas nada. Já estavam conformados. Contudo, moravam bem perto dos Jones e, embora não se freqüentassem, tudo sabiam por vizinhos, feira, cabeleireiras e outras fontes de fuxicos em geral. E ainda alimentavam as velhas paixões.
Aí aconteceu a grande sincronicidade. No mesmo momento que Cheza ficou sabendo que estava grávida pela terceira vez, passados outros cinco anos do nascimento de Vivi, minha mãe, que não vinha passando muito bem, viu que não era bem um mal-estar crônico que ela vinha sentindo, mas sim minha exata pessoa que estava se fazendo manifestar.
Num misto de alegria e apreensão ela contou para Claudionor. Ele ficou quieto continuando a fazer o que era seu principal hobby, ou seja, nada. Olhando para o nada. Superfície calma, profundezas turbulentas.
Continuou assim um bom tempo. Levantou-se e anunciou que ia comprar cigarro no bar da esquina. Minha mãe previu a evasão. Não era difícil. Ele não fumava. Até hoje não lhe sei o paradeiro.
Acho que Diva preferiu que fosse assim. Na roda dos bochichos, ficou sabendo que se fosse mulher, a pequena Jones seria Bárbara. E aí peguei nome. Se eu fosse homem, ia ser invertido, tanto que ela me chamava de Bárbara na barriga. Charlie torcia pelo contrário, mas Cheza tinha certeza que era mais uminha. Não era sempre que Palmeiras e Corinthians estavam nas mãos da rioclarense e então ela ia fazer dar Palmeiras. Mas Charlie era forte. Podia dar Palmeiras, mas ia ser corintiana. Nem tudo estaria perdido.
No dia 31 de dezembro de 1947, no mesmo Samaritano, nascia essa que vos fala, gordinha, morena, por sorte não parida pelos dois malucos de sempre, pois não eram onipresentes. Estavam trabalhando em Cheza, colocando a loirinha de olhos azuis sob os céus de Sampa. E pela primeira vez nos cruzamos nos corredores daquele hospital. Até voltei lá tempos depois para reviver nosso primeiro encontro e para entender os porquês do que viria vida afora.

Charlie chegou em casa e mudou uma rotina. Pegou o revólver que usou na revolução de 32, deu três tiros para o alto e disse "Não bebo mais".
Alívio para as mulé, que estavam preocupadas com avanço do dentista para o lado das garrafas. As mulé, eram Cheza, Mary, Vivi, e mais Balu, irmã adotiva de Cheza, e uma italianona adotada pela casa, a Carolina. O harém de Charlie. Só ele de homem.
Pertinho dali lá estava eu, Bárbara de Oliveira Farniente, sobrenome de Claudionor que minha mãe fez questão de colocar para não ficar filha de mãe solteira e talvez na esperança que ele voltasse.
A felicidade de minha mãe só foi estragada por um pequeno detalhe. Até hoje ela se lastima por não ter consultado o Tabuleiro Ouija, como sempre fazia. A Bárbara dos Jones, não era Bárbara. Colocaram na loirinha, o nome de Rita. Rita Lee Jones.

7 comentários:

Barbarosa disse...

Ok, four things:

1. I like clicking on the "next blog" button.

2. That was the longest post ever!

3. There seems to be a startling amount of portuguese speakers in the blogosphere. I know there are a lot of brazilians, but still.

4. That's nice Rita Lee artwork in your title..

Have a good day.

Anônimo disse...

Bartold Brecht,

Maravilhosa apreensão da vida da nossa Rita pela lente do humor! Como escreveu Oswald de Andrade, nosso antropófago:

amor
humor

Estas sobras dão um banquete,
estes retalhos dão tecido pra outra bíblia Rita Lee nossa de cada dia.

Beijo, lembrando dos passinhos de Ziza conduzindo a deusa pra cena...

Unknown disse...

clap clap clap!!!
a contra indicação desse blog é deixar as mãos em carne viva de tanto aplauso!
clap clap clap

Anônimo disse...

é sempre bom esses capítulos ocultos!!!

O aLtas Horas foi bom, mas tu viste a entrevista na íntegra da Globo News? bão demáhs!!!

Anônimo disse...

Opa opa, maravilha de blog! Sempre direi isso... adoro essas sobrinhas do livro...
Ah, Altas Horas foi bom d+!!! Ziza é um espetáculo! E a vovó babando então?! Que coisinha...
Rolou mesmo uma edição aí né? E ficou esquisita a saída tipo à francesa da Rita... Mas, de qq maneira valeu!!!

Beijos!

Anônimo disse...

E a lombardi jurando que os aplausos eram pra ela .. ahahahahha

Ziza roubou totalmente a cena ... não é a coisa mais fofa que tem??
E a Rita como tá leenda !! não é .. não é ?? heinnnnn ...


E batzzzzzz .. que essas sobras nunca acabem por que isso é bão demais .. DEMAISSSS ..


"Todas as mulheres do mundo no palco e a mais maravilhosa delas dando show ..." .... não tem pra ninguém ..

I love you Ritzzzzzzzzz ...

Beejones grandes ..
f lee...

Anônimo disse...

adorei.. uma pérola..

perdi o post onde vc fala sobre a recusa do liceu em aceitar a visita da Ritz.. a minha irmã estagiou lá por um tempo, na mesma época, e me mostrou a notícia no jornal, que dizia mais ou menos assim: - a cantora Rita Lee manifestou o desejo de visitar o Liceu Pasteur, porém a escola não aceitou, alegando ser ela "persona non grata"..
com o RLML fiquei sabendo os reais motivos, porém na época acreditava ser por causa da fama de má.. isso me fez admirá-la mais ainda..

beijocas!