A conversa é mole, mas o papo é firme.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Making off de RLML

Como já disse em vários lugares, até chegar à sua edição em forma de livro, RLML tinha alguns capítulos diferentes no início, que foram modificados a pedido dos editores. Eu gosto dêles, e aqui vai a oportunidade de conhecê-los. Não estão devidamente corrigidos, e vocês vão notar que algumas partes de assuntos que estavam nestes capítulos foram reaproveitadas nos que acabaram ficando na versão final. Este é o primeiro capítulo. Os outros virão na seqüencia.


O PORQUE DOS POR QUES



Em uma ruela escondida no centro de Amsterdã há um local muito curioso, que dificilmente turistas ou mesmo nativos do local encontram, pela dificuldade de lá chegar. Por trás de sua pequena entrada, existe uma grande edificação que guarda tesouros de grande peculiaridade. Na verdade, tesouros para alguns poucos. Tesouros localizados.
Neste lugar funciona um museu, o Message In a Bottle Museum. Não se consegue saber com facilidade quem mantém este museu ou qual sua importância, mas para nossa história, basta saber o que lá existe. Ali são expostos objetos, que de alguma maneira teriam que chegar de uma pessoa a outra, ou até voltar para si próprio, se esse fosse o ciclo, mas que não conseguiram o intento. Assim, ficam lá expostos até que algum destinatário prove a posse e retire-o. Enquanto isso não acontece, têm-se acesso a tudo irrestritamente. Uma espécie de achados e perdidos intelectual.
Existem armas, cartas, documentos, pedaços de corpo humano, fetos, livros, jóias, animais em cativeiro, mechas de cabelo, engenhocas diversas, instrumentos, sendo que tudo pode ser consultado, lido, pesquisado, pagando-se, logicamente, uma taxa. O paraíso para curiosos e bisbilhoteiros.
O que nos interessa desse acervo é um diário, que foi descoberto coincidentemente por um personagem da história nele contada, mas que pelo método empregado para retira-lo do museu, achou por bem não revelar sua identidade. Na verdade, nem eu mesmo sei quem é essa pessoa, pois o diário chegou a mim por terceiros. Numa operação ousada, o diário, durante uma consulta, foi trocado por um livro de culinária, que por ser em português, não chamou a atenção da segurança do museu, de imediato. Percebida a troca, houve uma perseguição pelas ruas das cercanias, mas o Brasil venceu. Tenho minhas suspeitas de quem seja, mas melhor declinar.
A pessoa que me apresentou o documento, no início do ano 2000, sabendo de meu interesse por música popular, e de algum conhecimento que tenho por pertencer à área, como músico, disse que eu poderia fazer bom proveito daquele material.
Pedi para examinar o manuscrito, e fiquei intrigado, pois o conteúdo, era simplesmente algo como a história detalhada de Rita Lee, renomada cantora, compositora, dentre outras atividades artísticas, e então descrita por alguém que sempre estava por perto quando as coisas aconteciam.
Mas, havia alguns problemas. O principal deles seria a veracidade dos relatos, que contavam intimidades de uma pessoa pública. Outro seria dar uma forma literária e uma seqüência lógica, pois por ser um diário, haviam trechos que só quem houvesse escrito poderia entender, às vezes pela letra, outras por estarem muito resumidas, como se fossem apenas um lembrete. E por fim, quem estava me repassando o diário, não o faria gratuitamente.
Tentei concatenar uma seqüência lógica do que fazer, para meu interlocutor, e acabou ficando assim: eu copiaria uma parte do diário, tentaria achar a focalizada principal e perguntar da veracidade. Não queria ter um diário de Hitler, o maior mico da história, em minhas mãos, e ainda pagando por isso.
Talvez minha reputação de pessoa séria, tenha feito com que o intermediário concordasse com as premissas. Resumindo uma longa procura, achei um endereço de Rita Lee na internet. Entrei em contato, e ela respondeu educadamente, como se eu fosse um fã, embora à minha maneira, eu o fosse mesmo. Fomos trocando alguns contatos, principalmente para que eu pudesse sentir se realmente era ela quem respondia, ou um simples assalariado ali colocado para satisfazer os fanáticos.
Em nossa quinta troca de e-mails, contei à respeito do documento que tinha em mãos. Ela deu longas risadas, e disse que isso aparecia diariamente em sua vida, e que eu não jogasse meu dinheiro fora.
Sem nada dizer, transcrevi alguns trechos do documento. Confesso que me arrependi, pois ela ficou uma semana sem nada dizer. Eu não estava acreditando mesmo naquilo tudo, e ainda fui meio impiedoso, colocando passagens não muito agradáveis. Tinha conseguido um bom contato com uma pessoa que eu admirava, ela estava correspondendo, mesmo que polidamente, e agora eu estava jogando tudo pela janela.
Educadamente fiquei aguardando uma manifestação, até que um dia elaborei um longo texto, colocando minha posição, pedindo desculpas, e dizendo sobre a desistência da empreitada. Quem sabe assim continuassem nossos pequenos diálogos? Quando estava para clicar o mouse no "enviar", no canto da tela apareceu um ícone indicando chegada de e-mail. Era dela. Como essas coisas podem acontecer, nem imagino.
Num tom bem sério ela me dizia que gostaria de ver o diário. Senti o cheiro da fumaça. Começou assim um longo vai-e-vem, para que emissários pegassem o manuscrito num local, e o levassem a outro. Coisa de cinema. Eu até estava entrando no jogo, mas uma certa hora, disse que só mostraria a ela pessoalmente, só para ver no que dava. Outro longo período de silêncio. Ela concordou, me deu um horário, e um local, onde uma pessoa me apanharia. Aqui mesmo em São Paulo.
Bat horário, bat local, e uma pessoa apresentou-se como enviado de Rita. Pediu que eu entrasse em um carro e que não reparasse, pois teria que ser vendado. Achei ridículo, mas acabei concordando. No caminho, se alguém viu alguma coisa, nem ligou, de tão comum que estão os seqüestros na cidade. Fizemos um longo trajeto. Devemos ter entrado na garagem de um prédio, e em seguida subimos pelo elevador.
Quando foi tirada a venda, meus olhos demoraram um pouco a se acostumar com a claridade, mas era uma grande sala, com várias pessoas. Eram elas: a Chefona, sua irmã, os filhos, o marido, o ajudante de ordens que me levou, vários animais caseiros e um advogado. Para chegar até o lugar que me foi oferecido para sentar, tive que abrir caminho com um facão, de tão densa a atmosfera de desconfiança e silêncio.
Ela estava sentada num canto, fumando um cigarro, vestida para matar. Quem falou foi o advogado. "Pelo teor do documento que o senhor nos apresentou, precisaremos tê-lo por um tempo para análise. Como foi dito que é uma cópia, que nem mesmo contém a íntegra, acho que poderia concordar com tal exigência". Já sintonizado com a atmosfera reinante, não titubeei em concordar. Ia abrir a boca para dizer alguma coisa para descontrair, quando o advogado disse firmemente. "Por acaso, o senhor tem em mente alguma quantia para que nos seja entregue o original?". Respondi negativamente, com veemência. "Então obrigado pela sua colaboração, e aqui termina nosso encontro. E assim que possível entraremos em contato. O senhor será conduzido a um local que o agrade".
Fiquei sem ação. Optei rapidamente por uma máxima dos Beatles. Deixe estar. Os mesmos procedimentos para irmos embora. Tive a sensação de haver conhecido uma Greta Garbo com vida pública.

Tinha praticamente desistido da idéia, quando chegou um e-mail de Rita perguntando o que eu tinha em mente com aquele material. Longamente expliquei que se aquilo fosse verdade, seria de grande valia para ela pudesse ser mais conhecida, para que pudéssemos saber como foi a construção de uma estrela, suas intimidades, medos, vitórias e fracassos, e bla bla bla. Ela respondeu, pedindo todos os dados sobre meu nascimento, data, hora, local. Enviei.
Eu já estava começando a ficar ansioso pela resposta. Parecia vestibular. Ok, os astros tinham me aprovado. O que realmente eu queria com aquilo? Disse que gostaria de fazer o relato em um livro, mas que precisaria de muita ajuda dela, para entender certas passagens, e isso poderia demorar um bom tempo, pela extensão do material. A resposta foi curta e grossa. "Ok, filho. Pergunte que eu respondo. Mas acho que não tem nada muito interessante aí. Minha vida é tão lugar-comum. Só quero ver quem vai querer editar isso. Meu advogado vai mandar um termo de compromisso para que tudo saia como combinarmos. E assim que você assinar, começamos". E foi tão simples assim. Passamos meses nos falando pela internet, mudando alguns nomes para não melindrar ninguém, ajeitando algumas situações, e ela colocou a real Rita Lee para desfilar. Muito divertida. E de alguma forma, consegui dar uma forma literária e legível à história. Só fiquei chateado, quando ela me contou o quanto todos estavam se segurando para não rir, naquele nosso encontro. E o quanto riram quando saí, apavorado.
Logicamente nessa altura eu já estava com os originais do diário, nos quais gastei todas as economias que tinha amealhado na vida. Quando terminamos, vi que ela tinha gostado da aventura. Mas uma sombra foi crescendo em mim, durante todo o projeto. Eu precisava ter uma palavra que fosse, com a autora do manuscrito. Quem seria aquela mulher que passara sua vida à sombra de Rita Lee?
Eu sentia a falta de um capítulo final, e que havia algo que Rita não havia me contado. Durante todo o tempo Rita nunca perguntou onde estaria a autora, ou mesmo feito qualquer referência a ela, ignorando-a totalmente. Apenas contava sua própria história. Algo estava errado.
Após muita procura, fui encontra-la no interior de São Paulo, dona de um spa, o Spa Farniente, na região de Atibaia. E confesso que ela era a melhor propaganda de seu estabelecimento. Pela história, sabia que ela e Rita tinham a mesma idade, e eu estava frente a uma mulher linda, aparentando metade de seus anos. Contei tudo sobre o projeto, e que precisaria de um parecer dela sobre tudo. Ela não esboçou uma mínima reação. Apenas disse "Esta novela precisa ter um fim”.
E aqui começa uma história inacreditável, mas real.

2 comentários:

Anônimo disse...

Nossa quanto mistério !!! a cabeça rodopiou imaginando o museu e as coisas descritas nele ... lee sem respirar e agora já tonta voltei ao normal quase morta por falta de oxigênio .....uf .. uf.. uf...

Lembro de você falar (no lançamento RLML em Sampa) que ficou pra trás capítulos que contavam sobre os antepassados de Ritz ... coisas beeeeeeem antigas ... e se esse é só o começo do making off quer dizer que talvez possamos ver essas “belezuras” aqui .. né ....

Então ...
By by by guardião das escrituras sagradas ....

bjs energéticos a todos
fernnie lee

PS : e o livro de culinária?? seria ele assinado pela Ana Maria Braga!! Ahahahahahahaahahahahahahahah

Anônimo disse...

Bartman,

isso é um thriller dos mais emocionantes e muito bem descrito. Digo que você devia escrever mais dois livros, um sobre o encontro do cálice sagrado - o diário -, o modo como chegou à Rita com ele debaixo do braço (fantastic); e outro sobre o que do diário não entrou, aposto que a Bárbara tem mais alguma cartinha na manga. Será que ela, mesmo distante, acompanha a Rita? Ela também se rendeu à ela, no final do livro, você narra, no último capítulo, aquela bela defesa que ela faz da Ritíssima no encontro que você e La Farniente tiveram no SPA.
Acho que o binóculo de Bárbara, embora não tenha apreendido toda a verdade, deve ter descrito mais alguma coisa, que chega até os nossos dias.
Rs... para que a Rita e seu advogado queriam saber todos os dados sobre o seu nascimento, data, hora, local?... Putz...
E imagino que o diário tenha sido caro... com as vendas da biografia, retornou algo?

Beijos e obrigada pela Odisséia pra publicar o RLML!